quarta-feira, 2 de maio de 2018

Livre da acusação de assédio sexual, Justiça do Pará mantém padre Amaro preso


Amazônia Real, 1/5/2018

Belém (PA) – Pároco da Igreja Santa Luzia em Anapu, o padre José Amaro Lopes de Sousa está preso há 34 dias no Centro de Recuperação Regional da cidade de Altamira, no sudoeste do Pará. A desembargadora Vânia Lúcia Carvalho da Silveira, do Tribunal de Justiça do Pará, negou um pedido de liberdade do religioso, que é coordenador da Comissão Pastoral da Terra (CPT). O TJ abriu também a ação penal contra o religioso após receber a denúncia do Ministério Público com acusações de associação criminosa, ameaça, extorsão, esbulho possessório e lavagem de dinheiro contra ele. O religioso nega todas as acusações.
A promotora Gabriela Cabral Coutinho Andrade afirma que a acusação de assédio sexual contra Amaro foi excluída da denúncia do Ministério Público por entender que “os elementos não eram suficientes para demonstrar que houve coação”.
Na denúncia de assédio sexual haviam dois depoimentos contra o padre.Um feito por um casal que compareceu à delegacia de Anapu, em 2017, alegando que o religioso estaria assediando o homem. O segundo, realizado em março deste ano, por um outro homem que apresentou um vídeo com supostas imagens entre ele e padre Amaro.
Na prisão, padre Amaro está ciente da inocência. “Ele está inclusive celebrando missa na prisão”, relata a advogada Clara Morbach, da Comissão Pastoral da Terra (CPT), que visitou o religioso no último dia 19 de abril. Segundo ela, o sacerdote diz que está sendo bem tratado na presídio.
Por semana, o pároco pode receber duas visitas. Ele divide a cela com outros dois presos porque tem curso universitário. “Ele pediu que seus irmãos continuem visitando o povo (os sem-terra), que não se amedrontem com as ameaças”, revelou a advogada Clara Morbach.
“Ele [Amaro] disse que o que mais dói nele é estar preso no mesmo lugar que o assassino da Dorothy, o Taradão”, afirmou a freira.
A missionária Dorothy Stang foi assassinada em 2005. O fazendeiro Regivaldo Pereira Galvão, o Taradão, cumpre a sentença com mandante do crime. O padre substituiu a freira na coordenação de CPT de Anapu.
A defesa de Amaro considera as acusações contra ele uma perseguição política em função de sua atuação em áreas de conflitos agrários do Pará.
Para o advogado de defesa Marco Apolo Santana Leão, a acusação de assédio sexual “foi meramente para desmoralizar o padre”.
As demais acusações, como esbulho possessório e organização criminosa, são comuns em casos de lideranças rurais, avalia Marco Apolo. “Isso já foi denunciado na ONU [Organização das Nações Unidas], que já até condenou esse tipo de postura aqui no Brasil.”

Denúncias de fazendeiros

Padre Amaro denuncia a violência de fazendeiros contra os sem-terra  (Foto Alberto César Araújo/Amazônia Real/2006)

O pedido de liminar do habeas corpus liberatório de padre Amaro foi negado no dia 23 de abril em decisão monocrática da desembargadora Vânia Lúcia Carvalho da Silveira, do TJ do Pará.
Com a negação da liminar pelo tribunal, o habeas corpus segue em tramitação. A desembargadora encaminhou um pedido de informação à Comarca de Anapu. Assim que a comarca enviar a resposta, o Ministério Público se pronunciará sobre o assunto e, então, o habeas corpus terá uma decisão colegiada na seção de Direito Penal do Tribunal de Justiça.
“Por ora, a desembargadora não via elementos para conceder a liminar”, disse o advogado Marco Apolo. “Pra gente não muda muita coisa. Vamos esperar o julgamento do mérito. A gente acredita na inocência de padre Amaro.”
O habeas corpus foi a segunda tentativa de soltura de padre Amaro. A primeira havia sido o pedido de revogação da prisão preventiva, que aconteceu no dia 27 de março.
“O juiz, depois que decretou prisão preventiva, manteve os mesmos motivos. Ele alega que existe perigo à ordem pública e à instrução do processo”, diz Marco Apolo, se referindo à decisão da Comarca de Anapu, no início de abril.
Ainda sobre a revogação da prisão preventiva, o Ministério Público foi consultado, mas considerou “pela manutenção da prisão como forma de garantia da ordem pública e da instrução do processo”, disse a promotora Gabriela Cabral Andrade, do município de Anapu.
Perguntada sobre as críticas da Comissão Pastoral da Terra (CPT), que contesta a permanência da prisão preventiva, a promotora Gabriela argumentou que, “embora sejam avaliadas essas circunstâncias de ele ser réu primário e ter residência fixa, já há jurisprudência e doutrina que são suficientes para manter a prisão”.
A denúncia do MP foi enviada à Justiça no dia 16 de abril. O documento é assinado também pelos promotores Antônio Manoel Cardoso Dias e Daniel Braga Bona. Segundo a denúncia, a investigação transcorreu por mais de um ano, tendo ficado constatado que a liderança de padre Amaro, é “exercida por meio de condutas criminosas”. E, ainda, que Amaro “valia-se de sua posição de pároco do município de Anapu e de Presidente da Comissão Pastoral da Terra para liderar grupos de pessoas que, em nítida associação criminosa, praticavam diversos delitos”.
“O inquérito veio bem fundamentado, tem diversas provas em relação a esses crimes. Entre elas, poderia citar os depoimentos de várias pessoas: fazendeiros, colonos, ex-participantes do movimento de ocupação de terras, familiares de algumas vítimas de conflitos”, disse a promotora Gabriela Cabral Andrade.
“Há alguns documentos que comprovam que tem bens no nome dele e em tese é incompatível com a ajuda de custo da igreja, depósitos bancários que algumas vítimas fizeram em nome dele e de familiares”, explica ela.
A defesa de Amaro, porém, também contesta a atuação do MP no caso. Para Marco Apolo, “a denúncia traz um vício por 90% das testemunhas serem fazendeiros”, que o advogado considera inimigos do padre.
“A promotora não ouviu Amaro, nem a defesa e nem pediu para indicar testemunhas de defesa. Ouviram uma versão unilateral da polícia, que não gosta de padre Amaro. É uma polícia muito parcial na região”, denunciou Marco Apolo.
“O MP, quando acompanha a posição da polícia, sem questionar, sem sequer entrevistar o Amaro, ele peca também. Nessa questão, o MP é um antagonista e está fazendo um desserviço da justiça.”
Sobre o crime de associação criminosa, a denúncia argumenta que, “desde 2005 até os dias atuais o denunciado [padre Amaro] exerce a liderança de grupo de pessoas armadas com a finalidade de promover invasões e ocupações ilegais de terra para posterior venda de lotes”. Para chegar a essa conclusão, os promotores reuniram, além de depoimentos e declarações, vídeos e áudios.
A denúncia também aponta crime de lavagem de dinheiro. Segundo o MP, padre José Amaro “dissimulou os valores provenientes da infração penal, convertendo-os em ativos ilícitos”.
Para os promotores do MP, documentos oriundos da Agência de Defesa Agropecuária do Estado do Pará (Adepará) apontam que Amaro é proprietário da fazenda “Terra e Vida”, que fica na zona rural de Anapu, e de 125 cabeças de gado.
“Tudo em seu nome, tendo origem questionável, pois, como ressaltado pela autoridade policial, o denunciado só recebe dois salários mínimos em razão do ministério sacerdotal”, diz a denúncia do ministério.
Crimes de extorsão e esbulho possessório também são apontados pelos promotores, reunindo 11 vítimas. Em um dos casos, a vítima de iniciais A. N. V. teria sido constrangida, “mediante violência e grave ameaça, com o intuito de obter para si vantagem econômica indevida, a efetuar pagamentos em dinheiro e outros bens”. Em razão das ameaças, a vítima teria efetuado depósitos e transferências para padre Amaro.
Os promotores consideram “a materialidade e os indícios suficientes de autoria para o oferecimento da denúncia”, em que consta depoimentos ou termos de declaração de 29 pessoas, boletins de ocorrência, fotos de desmatamento, comprovantes de depósitos bancários, ata de reunião, relatório de fiscalização do Ibama, print de conversa do aplicativo Whatsapp, ofícios e transcrição de áudio de reuniões.
Para a ação penal, os promotores arrolaram 35 pessoas, entre vítimas e testemunhas. O documento também requer ao padre Amaro resposta por escrito sobre as acusações. A Comarca de Anapu deve decidir se iniciará ou não ação penal.
Para a defesa de Amaro, as acusações contra o religioso serão desconstruídas durante o processo.
“A defesa não confia na polícia. Vamos apresentar nossos argumentos em juízo, que é o espaço para isso. Só o processo criminal no judiciário, com ampla defesa e o contraditorium, é que garantirá isso”, completa o advogado Marco Apolo. “Poderemos arrolar testemunhas, pedir perícia para comprovar a inocência de Amaro.”

Apoiando os presos

Padre Amaro na missa de sétimo dia da irmã Dotothy Stang em 2005 (Foto Alberto César Araújo/Amazônia Real)

Na prisão, padre Amaro presta assistência social aos presos, função que exercia quando integrava a Pastoral Carcerária, organização da Igreja Católica. Segundo Clara Morbach, ele tem “dado apoio para algumas pessoas lá dentro, algumas pessoas que acabam buscando uma palavra e ele tem essa prática de padre, de ouvir”. Para ela, “essa é uma forma de arranjar forças para estar lá”.
“Ele está firme nos ideias dele, na consciência do trabalho que fez durante toda a vida. Sabe que isso é uma armação, uma prisão política”, avalia a advogada.
No último dia 19, o pároco de Anapu recebeu representantes do Conselho Nacional dos Direitos Humanos. “O objetivo da visita do conselho era dar apoio político e ver como ele está na prisão”, disse Morbach. O conselho também realizou visita ao município de Anapu em função do acirramento de conflitos agrários na região.

Denúncias de perseguição

Contestada por organizações que atuam na defesa de direitos humanos na Amazônia, a prisão de padre Amaro ocorreu em um momento de tensão na região do município de Anapu.
A agência Amazônia Real teve acesso à gravação de discurso feito por Amaro, em audiência pública realizada na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), em Belém, cerca de três semanas antes de sua prisão.
“Para nós, fica o repúdio e uma vergonha. Depois de 13 anos da morte da Dorothy, estar se discutindo aqui a questão do PDS [Projeto de Desenvolvimento Sustentável] 3 e 4”, denunciou padre Amaro, se referindo ao PDS Virola-Jatobá, no município de Anapu.
Ainda na audiência pública, Amaro denunciou que vinha sendo perseguido pela Polícia Civil nos últimos meses. “Não sei se tem alguém representando a Polícia Civil aqui, mas nos últimos dias, quando foi preso o trabalhador que é motorista da paróquia, a Polícia Civil, lá dentro… Pegaram e disseram que a batata do padre Amaro está assando”, denunciou, na ocasião, o sacerdote, na presença de representantes da Ouvidoria Agrária do Incra, Defensoria Pública e outros órgãos com atuação na questão agrária.
O motorista foi preso por porte ilegal de arma. “Quando o pessoal vai na delegacia registrar o B.O. [Boletim de Ocorrência], é mal recebido. Não são tratados como cidadãos. Trabalhador é tratado como lixo. A gente quer que o trabalhador e trabalhadora possa ser respeitado nos seus direitos.”
A recente onda de conflitos fundiários na região, afirmou padre Amaro, se deve à implantação da hidrelétrica de Belo Monte, na vizinha Altamira.
“Eu sei que realmente o Anapu cresceu. A culpa que estamos pagando é do complexo hidrelétrico de Belo Monte. As pessoas ficaram desprovidas de tudo”, avaliou Amaro. “Altamira hoje sai como a cidade mais violenta de toda a região porque trouxeram esses trabalhadores. Depois a barragem jogou fora e ficou ali. Aí procura um pedaço de terra, porque quando a pessoa está com fome procura um lugar para trabalhar.”
Ainda de acordo com a denúncia de padre Amaro, “o Anapu está um estopim”.  “O que a gente quer é respeito para os trabalhadores rurais. A gente vem aqui, mete a cara, no outro dia você amanhece morto”, lamentou. “O que queremos é que a memória dessa mulher de 73 anos [Dorothy Stang], que veio a essa casa [OAB, em Belém] várias vezes, pedindo segurança e mataram covardemente. E depois dela já mataram vários.” Ainda segundo ele, de 2015 a 2018, 15 trabalhadores rurais foram assassinados somente no município de Anapu.

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